Devaneios da Sol: A dor da solidão por Soraya Abuchaim.

00:00 Fernanda Bizerra 15 Comments


"Da janela da minha sala posso avistar a noite escura e sem estrelas à frente, projetada com seu ar sombrio, o vento cortante.

Sinto-me sozinha como há muito não me sentia, e sei que a culpa disso é somente minha.

Quando comecei a desconfiar que a vida tomaria um rumo diferente do que eu projetara, me bateu o desespero, o medo irracional.

Não foi repentinamente, mas como qualquer constatação, os sinais estão ali, basta juntar os pontos.

Comecei a sentir algumas dores agudas no estômago, mas sempre me recriminava por tomar café demais, e postergava a consulta com um especialista achando que passaria. 

Só que mesmo diminuindo o café as dores continuaram; além disso, comecei a ficar abatida, irritadiça, e, então, vieram os desmaios.

Eu tinha um companheiro na época, que acabei fazendo questão de arrancar da minha vida como gostaria de fazer com os sintomas dolorosos que começavam a tomar conta do meu corpo todo. E esse companheiro foi o primeiro a perceber que algo terrivelmente cruel estava desenvolvendo-se no meu âmago. 

Só que não é fácil para uma mulher bem sucedida, acostumada a estar no topo e liderar equipes, saber que algo fora do seu controle, de onde não há escapatória, a está consumindo dia a dia, sem que haja nada que possa ser feito para amenizar o final fatal.

E então, a muito custo, porque eu continuava a tentar fingir que tudo corria bem, embora eu soubesse que estava morrendo, recebi o diagnóstico: câncer de estômago em estágio avançado, com enormes chances de metástase.

Meu mundo caiu. Nunca fui boa em aceitar derrota. Sendo a mais nova de 4 irmãos, todos homens, fui mimada por todos, e competitiva ao extremo. Não sabia lidar com notas baixas e não praticava nenhum esporte se eu não tivesse certeza que me daria bem, por exemplo. Entrei na melhor universidade, formei-me com honras e ocupo um alto cargo em empresa multinacional.

Conquistei muitos bens, mas também tive minha dose de perdas; a mais trágica delas foi quando meus pais, juntamente com meu irmão mais velho, voavam para umas férias bem merecidas e o avião simplesmente caiu, até hoje sem explicação plausível da companhia aérea. Só que, ainda assim, meus espírito prático e determinado ficou em luto apenas o tempo aceitável. Papai e mamãe estão olhando por mim, e isso me bastou. 

Continuei a vida, ganhando mais dinheiro do que era capaz de gastar, ostentando juventude e beleza, namorando os homens mais cobiçados, até me apaixonar por um homem ainda mais rico que eu, que me deu uma vida de estrela de cinema.

Então, quando o diagnóstico veio, a única coisa que eu conseguia pensar era que teria, de acordo com o especialista caríssimo que consultei, apenas 6 meses de vida.

Revoltei-me, como não poderia deixar de ser. Fui afastada do meu cargo, e o pior, tive que aguentar as pessoas dirigindo-me olhares de pena. Como odeio isso!

Terminei meu namoro, não tenho mais vontade de olhar para aquele homem que um dia amei e que me foi tão devotado. Na terceira sessão de quimioterapia, meus cabelos caíram, e eu estou mais magra em um mês do que consegui ficar a vida inteira com dieta e academia. Mais uma ironia da vida.

Tenho vergonha do que me tornei, e me pergunto se ter tanto dinheiro mudou em alguma coisa a minha trajetória. Eu estava fadada a ter câncer, simplesmente.

Hoje, tenho a conta bancária recheada, mas não tenho ninguém. Por vergonha, recusei-me a receber quem quer que tentasse me visitar, só o médico tem autorização de me ver, então as pessoas desistiram. Tornei-me amarga, estou apenas aguardando a morte chegar, definhando e repensando minha vida, e cheguei à conclusão de que vivi em uma redoma, onde beleza e dinheiro era o que importava. Muitas vezes deixei de seguir meus impulsos para não ser "mal falada", pois tinha que manter a pose.

O câncer me pegou, assim como pegaria alguém sem tantas posses. E o que eu pude fazer em relação a isso? Absolutamente nada.

Agora vou me deitar. Se tiver sorte, não passo dessa noite. Se não, amanhã será mais um dia horrível, com a pior dor do mundo: a dor da solidão, da desilusão."



Até a próxima!




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15 comentários:

  1. Nossa! Quanta depressão.
    Lindo texto, mas desanimador... rsrs
    Quando decido exteriorizar minha solidão gosto de trabalhar poemas e tenho dezenas de textos tão melancólicos e solitários quanto esse, mas os escrevia mais na adolescência, quando não tinha nada pra fazer... hoje é tanto trabalho que mal consigo tempo pra respirar quanto mais divagar pelos recônditos da minha mente sombria caçando esses lamentos.. rsrs

    Raíssa Nantes

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  2. Gente!!! que texto mais tenso, carregado de sentimentos tristes, essa doença consegue mesmo acabar com a vida de algumas pessoas, mas outras não se deixam abater, por mais que os remédios e a própria doença acabem com o corpo, algumas pessoas permanecem com uma alegria inacreditável e com um amor pela vida que poucos conhecem. Achei esse texto muito triste, dramático mas é exatamente assim que a maioria dos que descobrem esse diagnóstico reagem.

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  3. Olha eu simplesmente amei o texto.
    É bastante intenso e envolvente.
    Eu tenho gostado bastante de ler viu?
    Eu ainda não visitei o site da moça, mas preciso ver, porque
    tenho me impressionado bastante com alguns e também me identificado.
    Acho que vou fazer isso agora mesmo, porque quero conhecer.
    Parabéns por mostrar um trabalho tão maravilhoso de uma pessoa que escreve tão bem =]

    http://lovereadmybooks.blogspot.com.br/2015/12/luz-camera-e-acao-12.html

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  4. A imagem que você colocou no texto já surtiu um grande impacto em mim, e a cada linha que ia lendo ia sentindo mais a dor dessa pessoa. O câncer é uma doença tão cruel, já vi algumas pessoas serem levadas por ela, mas todas tiveram o apoio da família e dos amigos. Não consigo entender como alguém pode optar pela solidão em uma situação dessas, deve doer ainda mais. Eu sou do tipo que adia a visita ao médico pelo tempo que for possível, tenho que mudar isso.

    Beijo!

    Ju
    Entre Palcos e Livros

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  5. Caramba... terminei de ler o texto e bateu uma tristeza.
    Aí fiquei pensando nas minhas gastrites e em como eu fico protelando para ir ao médico.
    A solidão é algo que realmente dói e é muito difícil lidar com isso e sair da depressão.
    Muito bom o texto e a escrita foi bem fluida. Só queria que fosse um pouquinho mais longo e nos contasse que a moça encontrou certa paz.
    beijos
    diariodeumapsicopedagoga.blogspot.com.br

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  6. Posso ser sincera???
    teu texto é lindo, mas me deixou deprimida! Sei que não é o sentimento gerado na maioria das pessoas, mas me pegou...hehehe...o motivo? Revivi a história de minha própria vida quando, em 2009 tive câncer...
    E por isso posso dizer sem sombra de dúvidas que teuu texto está ótimo e incrivelmente coerente!
    bjs

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  7. Nossa, que denso. No início do texto, achei que fosse algo sobre depressão, solidão. Mas quando você falou em câncer, complicou. Passei por esse problema na família, e a pessoa (meu pai) se isolou. No final, ele não queria mais conversar com ninguém. O texto é muito bom, mas foi bem pesado pra mim :,(.

    ;D
    Profissão: Leitora

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  8. OIii!

    Gente, confesso que não gostei do texto. Não dele em si, pois foi muito bem escrito - com sempre, - mas eu não curti o sentimento que ele me trouxe. Essa doença sem o apoio necessario realmente faz com que as pessoas se isolem do mundo e isso é nitido que não é bom. Infelizmente, isso acontece com muita frequencia.

    Beijinhos

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  9. Olá!!!
    Que texto emocionante e triste. Falar da doença é sempre muito complicado e uma que nos degenera e muitas vezes nos impossibilita é muito pior. Há muitas formas de lidar com ela e no meu ponto de vista a melhora maneira não é se isolando do mundo que irá fazer sentir melhor e tirar forças para vencer ou ter algum tipos de felicidade mesmo que seja por pouco tempo. Parabéns pelo texto que nos faz refletir e emocionar.

    Beijos
    Carla Fernanda

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  10. Que texto triste e verdadeiro, emocional e reflexivo.
    Infelizmente é a mais pura verdade, muitas vezes pela correria que temos e a necessidade de nos fazermos importantes esquecemos de fazer o mais importante: a vida tem prazo de validade, se você não tiver preparado para o fim tudo vira um abismo, uma negação, então temos que fazer nossos poucos minutos escassos se tornarem algo de que não nos arrependamos, algo que nos faça olhar pra trás e dizer: Ei, mas tudo bem, eu pelo menos fiz o meu melhor para ser feliz...
    Fica como reflexão... Viva com intensidade porque tudo um dia acaba...
    beijos.

    Giuliana

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  11. Nossa que texto forte e reflexivo. Realmente o câncer não escolhe rico ou pobre, ele simplesmente vem e não há muito o que fazer. Muito triste ler algo assim, pois essa situação é muito real para muitas pessoas e pior do que sofrer por ter a doença, é sofrer por viver na solidão, olhando para trás e descobrindo que nada do que se fez trá valor significativo após sua partida.

    Bjs, Glaucia.
    www.maisquelivros.com

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  12. Quanta intensidade e sentimento traduzidos em palavras!!!!
    É encantador encontrar textos assim, tão bem escritos. Por outro lado, é um texto que traz uma série de sentimentos que deixam o coração pesado. E acredito que a solidão é uma das piores dores que existem - e Renato Russo disse a muito tempo atrás que ele era o mal do século (Esperando por mim é uma música linda!) e acho que ele ainda está certo.
    Parabéns para a Soraya pelo texto reflexivo e intenso!
    Beijinhos,
    Lica
    Amores e Livros

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  13. Assim, confesso que foi um texto muito pesado para uma manhã...
    Mas ao mesmo tempo entendo como é difícil se sentir só.
    Acredito que tudo tenha uma saída, mesmo em uma doença como essa.
    É preciso ter força e acreditar.
    Beijinhos
    Rizia - Livroterapias

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  14. Oiie,

    Que texto bem escrito, apesar de ser muito pesado. Achei as expressões tratadas nele, são infelizmente reais, que muitas pessoas sofrem com isso que é ruim demais. O câncer é um problema que não escolhe a quem, e nem em momentos. Parabéns pelo texto.

    Bjs

    ♡ Amantes da Leitura

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