[Devaneios da Sol] Surpresa! - Soraya Abuchaim

00:00 Fernanda Bizerra 12 Comments


Quando Elisa viu aquela cena grotesca, achou que estava sonhando.
Claro que sua segurança em relação a qualquer relacionamento tinha limites, mas ver o seu noivo nos braços da prima não era a ideia de momento perfeito que ela havia imaginado (aliás, não era a ideia de nenhum outro momento).
Como qualquer pessoa normal, em alguns milissegundos passou pelo estágio de negação (deve haver uma explicação lógica, não é o que estou vendo), tristeza (meu Deus!), sentimento de perda (o que eu faço agora?) e, finalmente, a raiva cega.
E é essa raiva sobre-humana que a impele a berrar e a ter a pior atitude possível – avançar sobre ambos, nus na cama de casal que ela havia adquirido para o apartamento compartilhado, batendo sem enxergar alvo específico, desenfreada, buscando uma força incomum no seu íntimo.
A questão maior, além da traição improvável (a própria prima? Na própria cama? Que tipo de canalha faria isso?) foi o fato dele ter estragado a surpresa da vida de Elisa! Foi isso que a deixou mais transtornada, fora de si. Uma mistura de indignação e sofrimento.
Durante os primeiros anos de relacionamento, ela havia sido muito insegura. Vítima incessante de traição (ela tinha o que sua mãe chamaria de dedo podre), ela já havia passado por “poucas e boas” até se sentir bem o suficiente para tentar de novo.
Conheceu André através de amigos em comum, e após um longo período de flerte (ela era uma romântica incurável, apesar dos pesares), sucumbiu ao charme do novo amigo e se entregou ao namoro, sempre “pisando em ovos”.
O passar dos anos foi restaurando, aos poucos, a segurança de Elisa em relação aos homens, e com a ajuda de André, ela foi conseguindo ser mais confiante, acreditando que a chance de ser traída seria pequena (jamais impossível, mas ínfima), já que ele era absolutamente confiável e parecia realmente amá-la.
André, percebendo que finalmente tinha sua amada em segurança, a pediu em casamento. Logo após o noivado, decidiram “juntar as escovas de dente” e alugar um apartamento modesto no quinto andar de um prédio no centro da cidade.
A vida foi tomando um rumo diferente, e apesar das brigas relativamente constantes, como qualquer outro casal, Elisa tinha certeza que as coisas melhorariam.
André nunca mudou a forma de tratá-la – amável, carinhoso, gentil. Não era o príncipe encantado que ela sonhara, mas ao menos era preocupado e trabalhador.
E assim foram caminhando. Até aquela fatídica manhã.
Elisa saíra para trabalhar como de costume, mas havia planejado passar em casa na hora do almoço (André trabalhava em um negócio próprio, o escritório ficava no apartamento, estilo home office) e fazer a surpresa para seu amado. Sabia que ambos ficariam felizes com a notícia.
E eis que se viu frente a frente com a cena mais deprimente de sua vida. E atacou, e gritou, até desmaiar e, com uma hemorragia, ser levada pelo infame André ao hospital.
André ficou preocupado, claro. Apesar da “aventura”, amava Elisa. O que faltava era um pouco mais de sabor à rotina, nada mais. Puramente físico, como ele gostava de pensar.
Esperou por horas a fio, até o médico lhe dar a notícia: “O feto está morto, mas sua esposa passa bem após a micro-cirurgia para estancar a hemorragia”.
Então Elisa estava grávida??? Como não lhe contara antes? Acho que esperou o momento certo, que acabou sendo o mais errado.
A culpa o consumiu! Ele sabia que não recuperaria a noiva nunca mais – ela era avessa a traição, e isso o fez entrar em desespero. Uma vida perdida por um momento de luxúria!
Voltou para o apartamento. Durante horas pensou no que fazer, se achando o maior escroto do mundo, além de descuidado e burro.
Até que naquele final de dia, a população que caminhava pela movimentada rua viu o corpo cair do quinto andar, para seu mergulho da morte.
André não suportaria conviver com aquilo: a perda de sua felicidade através de um ato impensado. Preferiu a fuga infeliz, que magoaria ainda mais Elisa, já tão machucada pela vida.
Uma semana depois ela se juntaria a ele na eternidade.
Nota: Obviamente o conto é fictício, mas apesar de parecer trágico, foi escrito para nos fazer pensar no quanto nossos atos refletem nas atitudes de quem nos rodeia, repercutindo em nossa própria felicidade e, claro, na felicidade de quem nos ama. Um ato impensado pode colocar em risco toda uma trajetória.

Sol

Beijos! 

12 comentários:

  1. Nossa! Muito trágico, não sei o que eu esperava mas, com toda a certeza não era esse final.

    Beijos!
    Books and Movies
    www.booksandmovies.com.br/

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  2. Nossa que conto lindo, apesar de trágico existe uma certa beleza nele, algo que não consigo explicar ... Fico assim com histórias desse gênero !!!
    Gostei dessa mensagem, lembra um pouco o conceito de karma e de energia, que toda a energia ruim que você libera para o mundo pode não afetar você, mas as pessoas a sua volta !!!

    Beijinhos
    Hear the Bells

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  3. Nossa, que trágico e triste este conto! Muito bem criado e cheios de sentimentos. Gostei bastante mesmo sendo algo tão triste. A mensagem passa algo muito forte e que tem um toque de real, mesmo sendo algo fictício.
    Parabéns e um abraço.
    chuvaelivros.blogspot.com.br

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  4. Oii....
    Uau que conto! Gostei muitíssimo dele! E realmente, ele nos faz refletir sobre os nossos atos.
    Beijinhos ;**
    Leitora Online

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  5. Ai Sol....acho que você escreve muito bem e com certeza foi um final surpreendente....mas esperava que

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  6. Ai, gente… que conto foi esse!? (rs)
    Tadinha da Elisa. Achei-a uma pessoa que muito sofreu e, infelizmente, não soube superar os obstáculos. André, no entanto, não me pareceu o tipo de cara que se jogaria do prédio, mas quem parece um suicida, não é?
    A moral do conto, sinto, é saber valorizar o que temos e não nos entregar às paixões cegas – seja um momento de luxúria ou um momento de raiva pura.

    Beijos!
    http://www.myqueenside.blogspot.com

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  7. Amei o conto!!! Lindo Lindo Lindo!! Final inesperado!
    http://livrosimaginarios.blogspot.com.br/

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  8. Pobre Elisa KKKKKKKKKKKKKK
    Aff, final hein D: rsrsrs

    Abraços
    David Andrade
    http://www.olimpicoliterario.com/

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  9. Realmente muito trágico, acabar da forma que acabou em! Muito triste.

    Abraço,
    Diego de França
    Leitor Sagaz

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  10. Nossa, conseguiu me comover com tão poucas palavras. Ainda estou aqui quietinha pensando no que acabei de ler, que trágico, mas ao mesmo tempo tão lindo!

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  11. Oiee ^^
    Também achei muito triste, mas não acredito que alguém se jogaria de um prédio por conta disso. É algo bem forte e assustador, mas não tanto *-*
    MilkMilks
    http://shakedepalavras.blogspot.com.br

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